Temáticas relacionadas aos indígenas estão presentes em várias manifestações artísticas: na música (como em “Nozani-ná”, composta por Heitor Villa Lobos); no cinema (a exemplo de “O abraço da serpente”, filme dirigido por Ciro Guerra indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2016) e na fotografia, que tem um dos seus maiores expoentes a artista Claudia Andujar, a quem Inhotim, em 2015, construiu uma galeria para abrigar seu trabalho.
Em novembro de 2019, mês em que uma série de inaugurações marcou a programação do Instituto, a Galeria Claudia Andujar ganhou uma nova obra: Yano-a (2005), que, além da própria artista, tem autoria de Gisela Motta e Leandro Lima.
Uma atualização do instante fotográfico
Em 1976, Claudia Andujar realizou o trabalho “Wakata-ú, Tiy”, que, na língua Yanomami, significa “tudo o que corre”, uma alusão à denominação dada por esse povo ao Rio Catrimani. Na imagem, a artista registrou shabono Yanomami (casa comunitária) pegando fogo, ato que na cultura dessa tribo faz referência à renovação através da mudança: quando a terra que ocupam já não dá mais frutos e a floresta ao redor não providencia mais a caça, ateiam fogo em suas shabonos para construir novas estruturas, possibilitando, assim, um novo começo.
Foi a partir dessa imagem em preto e branco que Gisela Motta e Leandro Lima propuseram uma atualização do instante fotográfico. Para isso, utilizaram diversos dispositivos: retroprojetor, vento, água e projeção de vídeo com as labaredas do registro da casa em chamas. A instalação ganha movimento graças a água armazenada em um aquário sobre o retroprojetor; e o tom avermelhado da imagem é gerado por um filtro vermelho sobre a imagem original de Andujar.
Yano-a (2005) está exposta na Galeria Claudia Andujar, no Inhotim, desde novembro de 2019. | Foto: William Gomes
A ideia da obra veio de um convite feito a Motta & Lima pela Galeria Vermelho (que representa Claudia Andujar na capital paulista) em 2005, na ocasião da exposição da artista na Pinacoteca, em São Paulo. “A proposta era fazer repensar uma foto de Andujar, configurando a partir dela uma montagem atual. Pensamos em criar um vídeo com uma situação de momento, atualizando esse instante em que foi fotografado, como se, em tempo real, a foto perdesse a sua característica de arquivo”, explica Leandro.
Motta contextualiza a obra na carreira da dupla, que realiza trabalhos há 20 anos: “Desde o início da nossa produção, pesquisamos uma temporalidade como se fosse o instante do tempo suspenso. Quando escolhemos essa shabono pegando fogo, não fazia sentido exibi-la queimando do começo ao fim. O que nos interessou foi ter esse instante suspenso, esse momento em que ela está eternamente se incendiando”.
Engrenagens expostas
Quando a obra foi exposta pela primeira vez, o funcionamento sobre a projeção das imagens despertou a curiosidade dos visitantes: nesta primeira versão, os equipamentos não eram expostos como parte integrante da obra, o que começou a ser feito a partir de 2007. Para Gisela, dar visibilidade à estrutura física que resultou do processo criativo possibilita uma abordagem educativa. “Nós, como um país que importa mercadoria, recebemos os produtos embalados em invólucros. Percebemos que não temos acesso à tecnologia. Exibir esse processo criativo é um incentivo para mostrar a forma como as coisas são construídas. É um conhecimento aberto”, diz.
Visitantes podem ver de perto como a obra é projetada. | Foto: Leo Lara/Área de Serviço
Yano-a (2005) está exposta na Galeria Claudia Andujar, que foi inaugurada em 2015. A artista destacou-se na década de 1990 por liderar o movimento de demarcação da terra Yanomami, localizada no estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Na galeria, você pode ver cerca de 400 fotografias registradas por Andujar entre 1970 e 2010, livros da artista e o documentário “A estrangeira”, produzido pelo Inhotim.
É possível andar ao redor da obra e ter outros pontos de vista sobre a mesma. | Foto: William Gomes
Yano-a (2005), que agora pertence ao acervo do Inhotim, foi exposta pela primeira vez na Galeria Vermelho em 2005; nesse ano, também esteve no Centre d’Art Contemporain de Basse-Normandie, na França; em 2007, no Solar da Unhão, em Salvador (BA); em 2008 integrou a exposição “Amazon War”, em Munique (Alemanha). Em 2012, esteve na exposição “Sopro”, no CCBB do Rio de Janeiro; na Pinacoteca, em 2016; integrou quatro mostras: “Quando o mar virou rio”, no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro; “Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno”, no Galpão VB, em São Paulo; “Video Art in Latin America”, na Laxart, em Los Angeles (EUA); e na cidade chinesa de Guangzhou em “Simultaneous Eidos—Guangzhou Image Triennial”. Em 2018, integrou a terceira edição da Beijing Photo Bienal, na exposição “Confusing Public and Private”.
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[Claudia Andujar, Gisela Motta, Leandro Lima, “Yano-a”, 2005, videoinstalação, tela suspensa de retroprojeção, projetor de vídeo, retroprojetor, fotolito, filtro de cor, microventilador, aquário e água, dimensões variadas]